
Imagine você, recém-formado ou recém-formada, a chance única de viver numa Odontologia com recursos variados na prática da reabilitação oral.
Atualmente, "tudo" ou "quase tudo" é possível, dentro da lógica.
Mas houve uma época onde a tecnologia não era tão "nítida" assim: os smartphones mal cabiam nos bolsos, não era possível conversar por chats (e em tempo real), carregava-se muito papel e carrossel de slides para cima e para baixo nos compartimentos superiores das aeronaves (quando não chegavam atrasados como bagagem despachada).
Esses momentos também proporcionaram experimentações únicas.
Dentro da reabilitação oral, nos movemos na biomecânica para garantir uma mastigação estável e funcional. Qual foi o papel da Periodontia nisso tudo? E da Prótese Dentária?
A Prótese Periodontal
A prótese periodontal é uma reconstrução/restauração usada em pacientes com periodonto reduzido (metade do suporte ou até menos), porém controlado do ponto de vista da infecção bacteriana ativa. Dentição terminal (hopeless teeth) é um termo associado à prótese periodontal.
De vez em quando, pacientes com prótese periodontal "aparecem" no seu consultório e você se pergunta: como é que essa prótese ainda está no lugar? Os dentes estão "flutuando"?
A lista biomecânica mais famosa da Odontologia
Quando os dentes estão abalados, tudo que precisamos fazer é arrumar uma forma de corrigir os problemas reduzindo as forças. Na boca, algumas recomendações são bem-vindas, especialmente nas próteses:
esplintagem dos planos dentários para melhor distribuição das forças
boa localização dos contatos oclusais (um ponto de contato em cada cúspide funcional)
redução na largura vestíbulo lingual das mesas oclusais
a ausência de contatos laterais nas possíveis áreas de cantilever
a manutenção da dimensão vertical correta evitando problemas musculares
Muitas vezes, essas próteses parciais fixas extensas estavam combinadas com próteses parciais removíveis (PPRs), através de encaixes (attachments), tornando-se as famosas próteses parciais fixas híbridas. Um trabalho técnico de precisão, feito com maestria por nobres discípulos dessa arte.
Acertava-se e errava-se muito até que esse tipo de prótese tivesse passividade. Os pilares precisavam ficar paralelos e muitas vezes coroas telescópicas eram recursos vitais nessa biomecânica.
Em outras situações, depois da esplintagem ser realizada ao longo de toda a arcada dentária, se o paciente ainda sentisse desconforto ao mastigar, ou se o profissional antecipasse uma falha precoce, por motivo de segurança, uma barra palatina seria colocada, impedindo que as próteses sofressem deflexão vestíbulo lingual.
Se por um lado a "contenção periodontal" estava garantida, por outro a necessidade de fazer preparos para coroas totais em todos os dentes expunha as margens dos términos ao risco de cárie. Outro problema adicional seria, em alguns casos, a falha dos dentes pilares intermediários que possuíssem tratamento endodôntico.
Sem outros "recursos tecnológicos avançados" na época, soluções como a cobertura das margens afetadas por restaurações de ionômero de vidro, a amputação radicular criando mais uma área de pôntico, ou até mesmo a remoção de segmentos distais da prótese parcial fixa para colocação de próteses parciais removíveis classe I/II de Kennedy eram aplicadas.
Para nossa surpresa, as próteses desses pacientes ainda caminhariam por um bom tempo, mesmo com cantiléveres extensos (o ideal era ficar perto dos 10-12mm) e altos (reabsorção óssea considerável na região anterior da maxila ou posterior da mandíbula).
Leituras recomendadas desta fase prótese periodontal:
Amsterdam M. Periodontal prosthesis. 25 years in retrospect. Alpha Omegan 1974;67(3):8-52.
Lindhe J, Nyman S. The role of occlusion in periodontal disease and the biological rationale for splinting in treatment of periodontitis. Oral Sci Rev. 1977;10:11-43.
Nyman S, Lindhe J. A longitudinal study of combined periodontal prosthetic treatment of patients with advanced periodontal disease. J Periodontol. 1979;50:163-9.
Assista abaixo um dos depoimentos mais importantes dados pelo Prof. Dr. Morton Amsterdam, considerado o pai da prótese periodontal:
Transição Dente e Implante
E se a dentição terminal realmente não fosse suficiente para garantir essa mastigação estável e funcional? O que deveríamos fazer? O que a literatura recomendava?
Dessa vez, os implantes dentários estavam no jogo. Lá pelo final dos anos 1980, pesquisadores e clínicos começaram a pensar na ideia de manter os dentes remanescentes, que ainda permaneciam saudáveis nas próteses periodontais ou nas dentições terminais, por algum tempo, como "elo" de transição para os implantes.
A sequência de transição dente e implante entra em ação
Garantir o conforto dos pacientes, preocupados com a saúde bucal e o temor de ficarem sem os dentes. Dentro desse lema, O uso racional das melhores ferramentas de diagnóstico era posto em prática:
analisar os dentes comprometidos: ficariam os estratégicos (centrais, caninos, molares, por exemplo, pelo menos um dente em cada plano de força, quatro elementos bem espaçados seriam suficientes), sairiam os pilares bem afetados
trocar a prótese que o paciente usa por uma prótese provisória em resina acrílica do tipo parcial fixa extensa para facilitar as cirurgias
remover os dentes comprometidos e colocar alguns implantes dentários, deixando esse implantes osseointegrando pelos tempos determinados e sem carga funcional; a prótese manteria a dimensão vertical de oclusão e esses dentes remanescentes ainda preservariam a propriocepção do ligamento periodontal por um bom tempo
num segundo momento, remover os dentes que funcionaram como apoios e colocar mais implantes (seis na maxila, por exemplo)
Do ponto de vista psicológico, as alterações na dimensão vertical, na fala, e na mastigação também seriam mais suaves quando a transição se completasse.
Havendo tempo entre as extrações dentárias e as colocações dos implantes, seu impacto geral na estética seria menor.
Andamos bastante entre o final dos anos 1980 e por todos os anos 1990 fazendo esse tipo de transição dente e implante.
Leituras fundamentais desta fase transição dente e implante:
Balshi TJ. The Biotes conversion prosthesis: a provisional fixed prosthesis supported by osseointegrated titanium fixtures for restoration of the edentulous jaw. Quintessence Int 1985;16(10):667-77.
Balshi TJ. Converting patients with periodontally hopeless teeth to osseointegration prostheses. Int J Periodontics Restorative Dent 1988;8(2):8-33.
Destaco aqui o pioneirismo do Prof. Dr. Thomas Balshi (na foto abaixo): os artigos acima provavelmente foram os que primeiro impulsionaram essa fase de conversão dente e implante:

Talvez, trabalhando em paralelo ou não, a publicação abaixo que corroborava as teorias acima:
Schnitman PA, Wohrle PS, Rubenstein JE. Immediate fixed
interim prostheses supported by two-stage threaded implants:
Methodology and results. J Oral Implantol 1990;16(2):96–105.
Abaixo, outro artigo importante que mudou a prática de muita gente, colocando os implantes dentários no centro das atenções, nesses pacientes com dentição terminal:
Nevins M. Periodontal prosthesis reconsidered. Int J Prosthodont 1993;6(2):209-17.
No começo dos anos 2000, Morton Amsterdam e Arnold Weisgold escreveram esse clássico como reflexão de toda a terapia proposta:
Amsterdam M, Weisgold AW. Periodontal prosthesis; a 50-year perspective. Alpha Omegan 2000;93:23-30.
Recomendações adicionais foram realizadas, especialmente para o desenho das áreas de pôntico:
Kinsel RP, Lamb RE. Development of gingival esthetics in the terminal dentition patient prior to dental implant placement using a full arch transitional fixed prosthesis: a case report. Int J Oral Maxillofac Implants 2001;16:583–589.
E deste ponto em diante, a história da transição se confundiria com os protocolos de colocação / carga imediata nos implantes dentários. Mas as próteses parciais fixas extensas sobre implantes tornavam-se a realidade do milênio:
Balshi TG, Wolfinger G. Immediate loading of dental implants in the edentulous maxilla: case study of a unique protocol. Int J Periodontics Restorative Dent 2003;23(1):37-45.
Cordaro L, Torsello F, Ercoli C, Gallucci G. Transition from failing Dentition to a fixed Implant-Supported Restoration: a staged approach. Int J Periodontics Restorative Dent 2007;27(5):481-487.
Nos Dias Atuais, a transição Dente e Implante se tornou mais fácil? Dez Itens de Atenção nas Próteses sobre Implantes:
Para a tecnologia atual disponível, que pode prever até a trajetória do canal de acesso aos parafusos protéticos, além da posição e angulação dos implantes dentários, a resposta é sim.
Entretanto, sentir a quantidade e a qualidade óssea continua tão importantes quanto definir o desenho da prótese e a distribuição dos contatos oclusais.
Nesse sentido, mudanças nas posições dos implantes são possíveis, especialmente em casos de carga imediata.
Os dentes naturais comprometidos continuam excelentes referências do nível vertical de parada da futura prótese sobre implantes, esteja ela programada com ou sem gengiva artificial.
Assim, a futura posição da margem gengival ou cervical dessa prótese fixa sobre implantes deveria ser "programada" no modelo de gesso ou virtualmente, já que a maioria dos sistemas computadorizados atuais permite.
Entretanto, é bom ficarmos de olho: a reabsorção óssea, nos casos de arcadas totais, não é algo que pode ser previsto com segurança, tanto no sentido vertical quanto horizontal. A maxila é mais sensível.
Pacientes que passam por esse tipo de transição demoram um pouco para lidar com as mudanças
O condicionamento do tecido mole também pode demorar e deve ser feito com paciência nas áreas de pônticos múltiplos
Use quantos jogos de próteses provisórias fixas forem necessários para detectar com precisão quando o paciente estará confortável. Não há mais dentes, só os implantes dentários, e o nível de propriocepção é bem diferente nos primeiros meses até que seu paciente tenha mais confiança.
Não existe um "consenso oficial" sobre as posições dos implantes nos alvéolos: distribua-os sobre a maior área circunferencial possível, coloque implantes adicionais se houver dúvida, e monitore as respostas dos pacientes em função do tempo.
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