Você já ouviu a expressão "uso off label"?
Sim, é o famoso "fora da bula".
Ela significa que o fármaco, medicamento, ou dispositivo médico/odontológico seja utilizado fora daquilo para que foi desenvolvido.
Por exemplo, se o medicamento foi desenvolvido para o diabetes tipo 2, mas possui um benefício no tratamento da doença de Alzheimer, seu uso será considerado "off label", sendo de responsabilidade total do médico que o prescreveu.
Na possibilidade de um estudo de acompanhamento e confirmados esses resultados, as instruções na bula seriam alteradas, passariam por uma nova revisão, e assim o medicamento sairia dessa condição.
O off label não é efeito adverso: o exemplo do rh-BMP-2
Ainda, a leitura das bulas é fundamental para conhecermos os potenciais efeitos adversos desses medicamentos.
Por exemplo, veja a proteína óssea morfogenética recombinante humana (rhBMP-2), o único material fabricado em laboratório com as três propriedades desejáveis na engenharia tecidual.
A bula do rhBMP-2 lista claramente quais são efeitos adversos, em especial um deles que nos preocupou muito:
tumefação (edema facial) leve - severo após a cirurgia
Não existe nada de errado com o produto. O fato é que o rhBMP-2, pelo seu potencial osteogênico e angiogênico, provoca um influxo de líquido no local da cirurgia. Resultado: edema, inchaço, tumefação.
Normalmente, com as deficiências ósseas na região estética e as cirurgias associadas para colocação de implantes dentários, o edema avança para os lábios. Pacientes podem ficar até duas ou três semanas em alimentação pastosa até que essa tumefação ceda. Sim, é complicado ir ao trabalho com os lábios inchados e muitas vezes parte das bochechas. Está na bula do produto.
Basta esclarecimento aos pacientes. O risco é compartilhado. Não há nada que possamos fazer contra a biologia do produto. Ou mudamos e nos voltamos para os autógenos, xenógenos, aloplásticos...a rotina.
"Off label" na prótese sobre dentes e implantes
Implantes dentários são dispositivos mecânicos como as "peças de um carro". Precisam de reposição, sofrem desgastes, fraturam.
Há situações onde a conexão protética está danificada.
Nesses casos, quando o componente protético não pode ser trocado, e o implante não pode ser "explantado" porque isso traria uma perda biológica maior de volume, existem pelo menos três saídas:
sepultar o implante (ninguém deseja)
construir um núcleo metálico fundido e cimenta-lo sobre esse implante (quem sabe dê certo)
refazer as roscas (se o implante for de conexão interna e o núcleo metálico fundido não funcionar ou se soltar) usando um instrumento especial (que não se apresenta em todos os kits protéticos de todas as empresas do mercado)
A primeira saída acima é um compromisso biológico com o seu paciente.
Já as últimas duas saídas acima estão "na faixa do off label". Lógico, nenhuma bula trará esse tipo de recomendação. Mais uma vez, os pacientes estarão por nossa conta e risco compartilhado.
E o resultado estético: fica "aceitável"? Clique no link e reflita.
Muito além do "off label"
Fechando o raciocínio sobre as bulas: há seções onde se lê explicitamente:
"....o uso inadequado de um produto para o qual não foi desenhado/testado mecanicamente poderá trazer risco e prejuízos biológicos..."
"...a empresa não se responsabiliza por práticas que não estejam em conformidade com àquelas descritas nessa bula."
Entretanto, é como diz o ditado: "a curiosidade move o ser humano, mas também pode matar o gato."
Então, alguns lembretes:
implantes dentários não podem ser "reaproveitados": retirados da embalagem, devem ser imediatamente instalados no local da cirurgia. O titânio possui uma capa de óxido que, em contato com o ar, aumenta rapidamente de espessura e pode ser contaminada com resíduos
outros biomateriais, especialmente os particulados para implantação, seguem o mesmo processo: uma vez aberto o frasco, é sem retorno.
nessa linha, os materiais dos parafusos dos pilares (abutments) e das próteses possuem limites mecânicos de deformação e faixas de torque dentro da segurança; qualquer tentativa de usa-los fora da especificação trará problemas, independente da sua prótese ser do tipo A, B, C, fixa, cimentada, híbrida, ou todas citadas.
os materiais para condicionamento de tecidos moles em pacientes totalmente desdentados, que possuam rebordos/gengivas flácidas e necessitem de cirurgia de remoção, não funcionam (e não servem) como base acrílica definitiva da prótese total convencional ou sobre implantes (overdentures); a finalidade é apenas terapêutica até que o rebordo seja regularizado e as patologias (fungos, petéquias por compressão, por exemplo) controladas
substâncias à base de adesivo cianocrilato não servem para "emendar" coroas provisórias
"mock-ups" são exatamente o que o próprio nome diz "uma simulação" e não podem ser usados como material definitivo: no máximo, em atividades recreativas (especialmente nas festas de final de ano)
E mais algumas observações/reflexões:
é comum, no dia a dia, usarmos chaves de torque/catracas que "parecem" se adequar em todos os tipos de cabeças de parafusos?
é comum usarmos torquímetros que não passam por um calibração periódica?
é comum que as cabeças desses parafusos fiquem "danificadas" ("stripped" na língua inglesa) sem compreendermos os motivos?
Que Santa Apolônia interceda em nossos trabalhos!
Muito obrigado pela leitura!
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