Dentes e longevidade: o Edentulismo total pode matar?
- Paulo Rossetti 
- 23 de out.
- 7 min de leitura

Será que ter dentes na boca pode realmente nos ajudar a viver mais? Será que existe uma conexão fascinante – e um tanto assustadora – entre a perda dentária e a nossa expectativa de vida?
Perder um, dois, ou até todos eles, não é apenas uma questão estética ou funcional; pode ser um sinal de algo maior acontecendo no seu corpo.
É essa a linha de investigação que pesquisadores do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) nos Estados Unidos e da Universidade de Pittsburgh exploraram em um artigo publicado em 2025.
Eles mergulharam fundo nos dados para entender como a perda dentária, especialmente o edentulismo (a perda total de dentes), se relaciona com o risco de morte.
Os resultados são surpreendentes e nos fazem refletir sobre a importância de cuidar do nosso sorriso.
Quem participou?
O estudo incluiu 8.710 adultos americanos com 30 anos ou mais.
Esses participantes foram acompanhados por um longo período, com seus registros de mortalidade rastreados até 2006, o que totalizou um seguimento médio de 14,2 anos (variando de 12 a 18 anos).
Como estavam os dentes desses participantes no início do estudo (linha de base)?
A equipe classificou os participantes em quatro grupos com base no número de dentes ausentes, considerando um total de 28 dentes não molares (sem contar os dentes do siso):
- 28 dentes: 22,3% 1941 pessoas 
- 1-5 dentes ausentes: 36,4% 3167 pessoas 
- 6-27 dentes ausentes: 28% 2437 pessoas 
- edêntulos totais: 13,3% 1158 pessoas 
É importante notar que, mesmo há décadas, uma parcela significativa da população adulta já apresentava alguma perda dentária.
Apenas cerca de um quarto dessas pessoas tinham a dentição completa, e mais de 13% já eram edêntulos.
Durante o período de acompanhamento, o estudo registrou 2.385 óbitos entre os participantes.
A questão era: a perda dentária influenciava esse número?
E, se sim, como?
O Que é Hazard Ratio (HR)? Uma Explicação Simples
Antes de mergulharmos nos resultados, vamos entender uma ferramenta estatística crucial que os pesquisadores usaram: o Hazard Ratio, ou HR (Razão de Risco, em português).
Pense no HR como uma forma de comparar a "chance" com que um evento (neste caso, a morte) acontece entre dois grupos diferentes.
- Se o HR for igual a 1 (HR = 1): Significa que os dois grupos têm a mesma chance de experimentar o evento. Não há diferença de risco entre eles. 
- Se o HR for maior que 1 (HR > 1): O grupo em questão tem uma chance maior de experimentar o evento. Por exemplo, um HR de 2 significa que o grupo tem o dobro da chance do grupo de comparação. Um HR de 1,5 significa 50% a mais de chance. 
- Se o HR for menor que 1 (HR < 1): O grupo em questão tem uma chance menor de experimentar o evento. Por exemplo, um HR de 0,5 significa que o grupo tem metade da chance do grupo de comparação. 
Nesse estudo, o grupo de comparação foram os adultos totalmente dentados (aqueles com os 28 dentes).
Os pesquisadores queriam saber se os edêntulos (sem dentes) ou aqueles com perda parcial de dentes tinham um risco de mortalidade diferente.
Os Números do Estudo Explicados: O Risco Inicial frente ao Edentulismo
Quando os pesquisadores fizeram a primeira análise, comparando os edêntulos com os totalmente dentados, os números pareciam alarmantes:
- Hazard Ratio (HR) ajustado apenas por idade: 2,58 
O que isso significa? Significa que, inicialmente, apenas considerando a idade (já que pessoas mais velhas tendem a perder mais dentes e, naturalmente, têm maior risco de morte), os indivíduos totalmente edêntulos tinham um risco de morrer 2,58 vezes maior do que aqueles com todos os dentes.
Para simplificar: se um adulto com todos os dentes tivesse 10% de chance de morrer no período do estudo, um adulto edêntulo, na mesma faixa etária, teria uma chance de aproximadamente 25,8% (10% x 2,58). Isso é quase o triplo!
Essa foi uma descoberta impactante que sugeria uma forte ligação entre a perda total de dentes e a mortalidade.
Por Que o Risco Caiu Após o Ajuste? A Magia da Estatística
Os pesquisadores sabem que a vida é complexa, e muitas coisas podem estar interligadas.
Eles se perguntaram: será que é a falta de dentes por si só que aumenta o risco de morte, ou será que as pessoas que perdem todos os dentes também têm outras características que as colocam em maior risco?
Foi aí que eles fizeram um "ajuste completo". Isso significa que eles refizeram a análise estatística, mas desta vez, levando em conta e "neutralizando" o efeito de várias outras variáveis que poderiam influenciar tanto a perda de dentes quanto a mortalidade.
Após esse ajuste completo, o HR para os edêntulos caiu significativamente:
Hazard Ratio (HR) ajustado completo: 1,45
O que essa queda significa? Essa redução de 2,58 para 1,45 é crucial. Ela indica que uma grande parte da associação inicial entre o edentulismo e a mortalidade não era diretamente causada pela ausência de dentes, mas sim por outros fatores que estavam "escondidos" por trás dessa relação aparente.
Em outras palavras, o risco de morrer para um edêntulo ainda é 45% maior do que para um dentado, mas a magnitude desse risco é bem menor do que parecia à primeira vista.
Fatores de Confusão: A História Completa por Trás da Perda Dentária
A chave para entender por que o HR diminuiu está nos "fatores de confusão". Pense em um fator de confusão como um "intruso" que está influenciando sua observação e pode te levar a uma conclusão errada.
Para ser um fator de confusão, uma variável precisa atender a três critérios:
- Estar associada ao que você está estudando (perda de dentes). 
- Estar associada ao resultado que você está medindo (mortalidade). 
- Não ser um resultado do que você está estudando. 
No caso do edentulismo e da mortalidade, os pesquisadores ajustaram para uma série de fatores de confusão que sabemos estar relacionados tanto à saúde bucal quanto à saúde geral e à longevidade.
Quais são alguns desses fatores?
Idade:
- Pessoas mais velhas têm maior probabilidade de perder dentes e, infelizmente, de morrer. 
Status Socioeconômico
- Indivíduos com menor renda e escolaridade tendem a ter menos acesso a cuidados odontológicos, alimentação saudável e, muitas vezes, vivem em condições que afetam negativamente a saúde geral e a longevidade. 
Comportamentos de Saúde:
- Tabagismo: Fumar é uma das principais causas de perda dentária grave (periodontite) e também é um fator de risco enorme para uma série de doenças fatais. 
- Consumo de Álcool: O abuso de álcool também pode afetar a saúde bucal e geral. 
Dieta
- Uma dieta pobre pode levar à cárie e doenças gengivais, e também está ligada a doenças crônicas. 
Condições de Saúde Crônicas:
- Diabetes: Diabéticos têm maior risco de doenças periodontais e também de complicações graves que levam à morte. 
- Doenças Cardíacas: Problemas cardíacos estão ligados à inflamação sistêmica, que pode afetar as gengivas, e são uma das principais causas de mortalidade. 
- Hipertensão: Pressão alta também impacta a saúde geral. 
Quando os pesquisadores "ajustaram" para esses fatores, eles estavam essencialmente perguntando: "Se compararmos duas pessoas – uma edêntula e outra com todos os dentes – que são da mesma idade, têm o mesmo nível socioeconômico, fumam o mesmo tanto, têm as mesmas doenças crônicas etc., qual a diferença no risco de morte entre elas?"
Ao fazer isso, eles "removeram" a influência dessas outras variáveis, revelando o risco que o edentulismo por si só (ou o que ele representa além desses fatores) traz.
O Que Isso Significa na Prática: Seus Dentes como Espelho da Sua Saúde
- A conclusão mais importante deste estudo, após todos os ajustes, é que o edentulismo ainda é um indicador de risco aumentado de mortalidade, mesmo que não seja a causa direta. 
- Um HR de 1,45 significa que, mesmo comparando pessoas em condições socioeconômicas e de saúde similares, ser edêntulo aumenta o risco de morrer em 45%. 
Então, o que podemos tirar disso?
- Seus dentes são um espelho da sua saúde geral: A perda de dentes não acontece do nada. Ela é frequentemente o resultado de doenças bucais negligenciadas (como cárie severa e doença periodontal), que por sua vez estão ligadas a hábitos de vida (dieta, higiene, tabagismo) e doenças sistêmicas (diabetes, doenças cardíacas). Se você perdeu muitos dentes, isso pode ser um sinal de que sua saúde geral precisa de atenção. 
- O edentulismo como "bandeira vermelha": Mesmo que o HR não seja tão alto quanto parecia inicialmente, a associação persiste. Isso significa que, quando um médico ou profissional de saúde vê um paciente totalmente edêntulo, deve acender um alerta. Pode ser um indicativo de que esse paciente tem uma história de saúde mais complexa, fatores de risco não controlados ou dificuldades no acesso a cuidados de saúde. 
- A importância da prevenção: Embora o estudo não diga que "perder um dente te mata", ele reforça a ideia de que manter sua saúde bucal em dia é parte de um cuidado integral com a saúde. Prevenir a perda de dentes significa, muitas vezes, prevenir ou controlar outras condições de saúde que realmente podem impactar sua longevidade. 
- Atenção aos grupos de risco: Os dados do NHANES III mostram que o edentulismo era mais prevalente em grupos com menor acesso a recursos. Isso destaca a necessidade de políticas de saúde pública que garantam acesso a cuidados odontológicos preventivos para todos, especialmente para os mais vulneráveis. 
Conclusão
Este estudo nos lembra que a boca não é uma ilha. Ela faz parte de um ecossistema complexo que é o nosso corpo. A perda de dentes, especialmente o edentulismo completo, é mais do que um problema cosmético ou funcional; é um forte indicador de uma jornada de saúde que pode estar comprometida.
Embora o HR final de 1,45 não signifique que a falta de dentes é a causa direta da morte em si, ele nos alerta para a íntima relação entre saúde bucal e saúde geral.
É um lembrete de que cuidar dos seus dentes – com boa higiene oral, visitas regulares ao dentista e tratamento de problemas bucais – é uma forma de cuidar de todo o seu corpo e potencialmente contribuir para uma vida mais longa e saudável.


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