Porcelanas odontológicas: muita história para contar aos mais novos
- Paulo Rossetti
- 25 de dez. de 2024
- 6 min de leitura

Nunca as porcelanas odontológicas tiveram tanta resistência mecânica quanto no século 21. Podem ser usinadas/fresadas a partir de uma bolacha/disco, um bloco retangular para CAD/CAM, ou usando-se pastilhas injetadas após o processo de cera perdida. A facilidade é tremenda. Os limites estão na sua criatividade.
Para quem não sabe, o sonho dessa tal "força" tem momentos importantes. Em números práticos, mais de meio século para ser atingido em sua plenitude. O sonho ao qual me refiro é a criação de uma coroa totalmente em porcelana, do começo ao fim, com resistência e estética suficientes tanto na região anterior quanto posterior. As famosas metal-free.
As restaurações de recobrimento parcial eram feitas com ligas metálicas que tinham suas margens brunidas. Isso você viu na disciplina de Materiais Dentários, mesmo que tenha feito apenas como treinamento o enceramento e a instalação de uma MOD.
O passo seguinte? Os metais (ligas de ouro, prata paládio) também seriam usados na fabricação de coroas unitárias e próteses parciais fixas como infraestrutura. E a resina, o único material usado como recobrimento estético (veneer) através do tratamento térmico nesses metais.
Sim, é verdade. Coroas e pinos em monobloco já representavam soluções para remanescentes radiculares sem a porção coronária.
Essa combinação (metal e resina) foi vencedora por muitos anos. Até hoje, no século 21 das facetas de porcelana, é possível encontrarmos pacientes com esse tipo de restauração. Pedem para retira-las por "motivos estéticos". Em geral, a resina está bem manchada e não há sinais de cárie. Um pecado.
Se com o tempo a resina seria um problema, e conhecendo as potencialidades das cerâmicas, depois de alguns anos uma nova patente foi desenvolvida, agora para ligas metalocerâmicas.
A porcelana era uma mistura de feldspato mica quartzo. Um vidro amorfo na sua forma mais simples. Muitas vezes reforçada por leucita (um cristal capaz de defletir trincas).
Essas patentes, com seus mecanismos químicos e físicos de adesão, também foram explicadas em monografias, rapidamente transformadas numa série de livros conhecida como "The Science and Art of Dental Ceramics". Por acaso, você já ouviu o nome de um certo Sir John McLean?
Anos depois, com o preço do ouro subindo mundialmente, uma saída foi proposta através dos metais básicos: as ligas de cobalto e crômio e níquel crômio, com adição de molibdênio e outros elementos capazes de fornecer resistência à corrosão. Novos requisitos mecânicos foram estabelecidos, milhares de unidades foram produzidas, e os acompanhamentos longitudinais estabelecidos. O material de recobrimento ainda era a porcelana feldspática.
Em paralelo, a busca pelas cerâmicas sem metal continuava. Os sistemas clássicos tinham uma estrutura vítrea e uma fase cristalina. A fase vítrea era delicada (mas estética) e maior que a fase cristalina. Então, às porcelanas (que podiam muito bem serem chamadas de "pó celanas" já que eram pós com diferentes matizes) foi acrescentado o óxido de alumínio. A resistência de uma coroa sem metal não melhorou tanto, com indicações apenas em dentes anteriores.
A estética ocidental tinha assumido novos patamares, e a corrida pelas porcelanas caminhava a todo vapor. No final dos anos 1980, um sistema cerâmico proprietário criava uma infraestrutura cor caramelo, que mais tarde era infiltrada por vidro (um processo laboratorial longo, In-Ceram) fornecendo estética. Esse sistema ficou muito popular e teria suas derivações em pouco tempo.
Além da estética, era importante fazer o tratamento interno da porcelana com ácidos específicos (HF, por exemplo). Essa etapa sempre foi considerada sensível e na clínica passível de contaminação.
No começo dos anos 1990, surge o In-Ceram espinélio (spinell) uma nova proposta à base de magnésio para melhorar a estética, logo seguida pela introdução do computador com o sistema Procera padronizando os processos com a alumina.
Mas foi o dissilicato de lítio como infraestrutura e a fluorapatita como material de recobrimento, no final dos anos 1990, que conquistaram rapidamente o mercado: sim, coroas e pequenas próteses parciais fixas até a região do primeiro pré-molar e com a resistência mecânica otimizada, desde que os preparos também recebem o tratamento adesivo correto.
O dissilicato de lítio (uma cerâmica vítrea) abriu caminho por dois motivos: possibilidade de condicionamento interno e tratamento de casos difíceis na clínica, como a amelogênese/dentinogênese imperfeita, dentes conóides, e outros problemas hereditários com implicações sociais.
Quase na virada do século, a Odontologia testemunhou a introdução do aço cerâmico: a zircônia. Num sistema de pó e líquido, sua infraestrutura continha diversos requisitos para garantir o sucesso mecânico. Coroas e próteses de In-Ceram Zirconia foram estudadas por muito tempo, especialmente porque o raio de curvatura na área dos pônticos poderia determinar sua longevidade.
Ainda, o mecanismo de "tenacificação das trincas" nos era apresentado com a introdução do óxido de ítrio. Em paralelo, outras duas possibilidades: o ATZ (zircônia tenacificada com alumina) e o ZTA (alumina tenacificada com zircônia).
No óxido de zircônio, o espaço está praticamente ocupado pelos cristais, sobrando quase nada para o vidro, e assim a resistência mecânica potencializada (perto dos 800 MPa). Seu material de recobrimento (veneer) seria a porcelana feldspática.
A partir dos anos 2000, a construção de coroas por computador ganhou mais força, especialmente com a zircônia. Diversos estudos mostravam que a união entra a infraestrutura e o material de recobrimento ainda era sensível. Trincas, lascamento, muitas vezes com fraturas nas áreas dos pônticos.
Mas espere: o dissilicato de lítio era injetado, certo? A forma final da coroa completa era injetada e maquiada, certo? Porque não fazer o mesmo com a zircônia, mas através da usinagem, aproveitando-se todo o seu potencial mecânico? Teríamos finalmente as coroas monolíticas em zircônia!
Por um lado, havia outro motivador nessa corrida: a Implantodontia e seus pilares de óxido de zircônio parafusados sobre os implantes de titânio. Eles tinham que funcionar. Os desenvolvimentos computacionais colaboraram significativamente. Por outro lado, o dissilicato de lítio, ao contrário da alumina e da zircônia, era o único sistema que permitia condicionamento interno e tinha uma sistemática de laboratório facilmente implantável.
Nesse intervalo, surgiram relatos clínicos de escurecimento da margem gengival associadas à zircônia na Implantodontia. Suspeitas (e biopsias) mostravam partículas de óxido de zircônio. A análise macro e microscópica mostrava "arranhões" nas porções internas dos pilares, fruto da fricção com os parafusos.
Você já tentou cortar coroas de zircônia? São extremamente duras. É um processo clínico trabalhoso, mas não impossível. Há brocas específicas.
A conexão mecânica direta (interna ou externa) com os implantes seria abandonada para dar espaço ao inserto metálico (link metálico, Ti-base). Uma vantagem nítida também seria o reposicionamento mais coronal da linha de término desses pilares, reduzindo o risco de peri-implantite por excesso de agente cimentante.
E não somente coroas CAD/CAM em zircônia monolítica, mas também infraestruturas completas têm sido construídas. Essa é a parte da história mais recente, incipiente na primeira década dos anos 2000, sendo mais forte como filosofia a partir da segunda década dos anos 2000.
A ideia é deixar apenas a porção estética vestibular com uma camada de porcelana feldspática (e cerâmica rosa nas situações de gengiva artificial). Todo o restante da infraestrutura é CAD/CAM.
O número de complicações relatadas com esse tipo de prótese é pequeno. Entretanto, uma fratura completa não deixa possibilidade para soldagem, como no metal. Outro ponto importante: a adaptação passiva da infraestrutura cerâmica é condição fundamental. Espaços intermaxilares reduzidos também podem ser contraindicações ao uso dessa modalidade.
Também, com as preocupações estéticas, novas proporções de óxido de ítrio foram incorporadas: além dos 3% mol tradicionais, temos 5%, 7% e até 8%. Além de blocos multicamadas, a zircônia ganha mais cor e estética.
Se você chegou até aqui, percebe que a história do desenvolvimento das porcelanas odontológicas passou por muitas tentativas e erros. Além disso, não quer dizer que abandonaremos as infraestruturas metálicas. Os sistemas de escaneamento e fresagem permitem muita flexibilidade na escolha dos materiais atualmente disponíveis. SE todos os pacientes tivessem os mesmos padrões oclusais de força...
Um fato: zircônias monolíticas desgastam menos o esmalte antagonista, se comparadas ao dissilicato de lítio.
Outro fato: o uso de próteses em zircônia monolítica não dispensa as placas protetoras oclusais (atualmente, com possibilidade CAD/CAM).
Uma provocação: então, a zircônia é realmente o material definitivo na prótese sobre dentes e/ou implantes? Ou será que vamos caminhar em outras direções, por exemplo, na Implantodontia, usando-se um PMMA CAD/CAM como material definitivo?
Aguardem os próximos capítulos.
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