Surge uma nova fronteira na regeneração do nervo alveolar inferior pós implante dentário?
- Paulo Rossetti
- 5 de set.
- 4 min de leitura

A Implantodontia e a cirurgia de terceiros molares frequentemente se deparam com uma das mais desafiadoras complicações: a lesão do nervo alveolar inferior (NAI).
Essa injúria, muitas vezes iatrogênica e decorrente de compressão ou penetração por implantes dentários ou instrumentos cirúrgicos, pode acabar em parestesia, disestesia e dor neuropática crônica, impactando significativamente a qualidade de vida do paciente.
A busca por estratégias mais eficazes de neuroregeneração tem impulsionado a pesquisa em materiais biomédicos avançados.
Nesse contexto, estamos à beira de presenciar uma inovação nanotecnológica combinada à biocompatibilidade de polímeros naturais que poderia ser um ambiente otimizado para a recuperação neural.
A Lesão do Nervo Alveolar Inferior e o Desafio da Recuperação
A lesão do NAI pode ocorrer:
por trauma direto durante a inserção de implantes
pela sobreinstrumentação endodôntica
após exodontias complexas
como uma injúria por anestesia local.
Em casos persistentes ou graves, abordagens cirúrgicas como a descompressão, neurorrafia direta ou enxertos nervosos podem ser necessárias.
No entanto, a recuperação total da função sensorial é imprevisível e, muitas vezes, incompleta.
A complexidade do processo de regeneração neural e a necessidade de um microambiente propício para o crescimento axonal impulsionam a procura por terapias adjuvantes e materiais bioengenheirados.
Conduítes Nervosos: Uma Abordagem Estrutural para a Regeneração
Os conduítes nervosos são estruturas tubulares projetadas que direcionam o alongamento dos axônios e previnem a formação de neuromas, ao mesmo tempo em que isolam o nervo em regeneração do tecido cicatricial circundante.
A demanda atual é por conduítes que não apenas forneçam um arcabouço físico, mas que também interajam ativamente com o processo biológico, promovendo a neuroregeneração de maneira mais eficiente e controlada.
A parceira estratégica: MXene e Quitosano
Você já ouviu falar desses materiais? Não?
Os MXenes são uma classe relativamente nova de materiais bidimensionais (2D), formados por carbonetos ou nitretos de metais de transição (ex: Ti3C2Tx).
Reconhecidos por sua estrutura em camadas e alta área de superfície, os MXenes possuem características notáveis:
alta condutividade elétrica:
capacidade de conversão fototérmica e fotoelétrica: sob irradiação luminosa (especialmente na faixa do infravermelho próximo - NIR), absorvendo energia e convertê-la em calor (fototérmica) ou gerar um sinal elétrico (fotoelétrica). Essa propriedade é crucial para a "fotorresponsividade", permitindo que o material seja ativado ou modulado por luz externa.
Quitosano: A Matriz Biocompatível e Estrutural
O quitosano é um polímero natural derivado da quitina, um componente abundante em esqueletos de crustáceos. Suas vantagens intrínsecas o tornam um biomaterial de escolha:
Biocompatibilidade e biodegradabilidade: É bem tolerado pelo organismo e se degrada em produtos não tóxicos, minimizando reações adversas e a necessidade de remoção.
propriedades antimicrobianas: Ajuda a prevenir infecções no sítio cirúrgico.
moldabilidade: Pode ser facilmente processado em diversas formas, incluindo géis, filmes e, mais importante para essa aplicação, estruturas tubulares porosas que funcionam como conduítes.
O Conduíte Fotorresponsivo de MXene-Quitosano: Um Paradigma para a Neuroregeneração
Um trabalho promissor, descreve o desenvolvimento de um conduíte fotorresponsivo de MXene-quitosano (WMC) para estimulação optogenética sem fio, visando aprimorar a regeneração e recuperação funcional após lesão do nervo óptico.
Neste estudo, o conduíte WMC demonstrou ser uma plataforma biofuncional, porosa, interconectada e biodegradável. Sua fotorresponsividade foi confirmada pela geração de sinais fotoelétricos e pela conversão de energia em calor sob estímulo de luz na faixa do infravermelho próximo (NIR).
Em um modelo in vivo de lesão por esmagamento do nervo óptico em ratos, a fotoestimulação do conduíte WMC induziu uma notável proteção das células ganglionares da retina (RGC) e resultou em melhorias significativas na função visual.
Explicação: os mecanismos subjacentes resultam na modulação de proteínas-chave relacionadas à regeneração neural e ativação de cascatas de sinalização que promovem o crescimento axonal.
Esses achados demonstram uma possível estratégia escalável para estimulação neural sem fio e recuperação funcional mediada por engenharia de tecidos.
Potencial Aplicação no Reparo de Lesões do Nervo Alveolar Inferior (NAI)
Ainda é cedo (o estudo foi realizado em ratos), mas os resultados obtidos com o conduíte fotorresponsivo de MXene-quitosano no nervo óptico abrem perspectivas empolgantes para o tratamento de lesões no NAI na prática odontológica.
A translação dessa tecnologia para o contexto do nervo alveolar inferior seria pelos princípios fundamentais de neuroregeneração:
o conduíte de quitosano fornece um arcabouço físico biocompatível para o crescimento ordenado dos axônios, prevenindo a dispersão e a formação de neuromas.
a capacidade fotorresponsiva do MXene permite a aplicação de estímulos de luz NIR (por exemplo, de um laser de baixa potência, como os de 808 nm já utilizados na fotobiomodulação) de forma não invasiva.
Ainda, essa fotoestimulação poderia:
promover a proliferação e diferenciação celular - a energia da luz pode ser convertida em estímulos térmicos ou elétricos localizados, ativando vias de sinalização que favorecem a regeneração neuronal.
modular o microambiente inflamatório - a fotobiomodulação tem comprovado efeitos anti-inflamatórios, auxiliando na redução do edema e na criação de um ambiente mais propício para a recuperação do nervo.
acelerar o crescimento axonal - a estimulação controlada pode induzir o crescimento mais rápido e direcionado das fibras nervosas.
biocompatibilidade Avançada - a combinação de materiais bem tolerados pelo organismo minimiza riscos de rejeição ou reações adversas, crucial em uma área como a cirurgia bucomaxilofacial.
Ao contrário dos tratamentos passivos (como a simples descompressão) ou mais invasivos (p.ex., enxertos), um conduíte fotorresponsivo de MXene-quitosano ofereceria um controle dinâmico sobre o processo de cura, permitindo que o profissional module a estimulação conforme a evolução do paciente, potencialmente acelerando a recuperação e melhorando os desfechos sensoriais.
Nesse sentido, a colaboração entre engenheiros de materiais, neurocientistas e profissionais da Odontologia será fundamental para traduzirmos essas inovações do laboratório em prática clínica.
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